14/04/2021 | Meio Ambiente
Cerrado: o berço das águas brasileiras
A sustentabilidade e a consciência ambiental são as respostas para combater o desgaste do bioma, proteger a biodiversidade e lidar com o desenvolvimento econômico
Árvores baixas. Tronco irregular e retorcido. Casca dura. Juntas, essas expressões nos ajudam a criar a imagem mental de um tipo de vegetação bastante comum em Bauru. Como em outras regiões do Brasil Central, o município apresenta a ocorrência do bioma Cerrado.
À primeira vista, o aspecto seco do Cerrado pode parecer quase hostil. Mas, para quem vive ou estuda este bioma, sabe que, debaixo da terra, ele esconde uma verdadeira floresta invertida, que o torna detentor do título de berço das águas brasileiras.
Segundo maior bioma do país, ocupando cerca de 23,9% do território nacional, o Cerrado detém uma grande importância para as questões de ordem social e ambiental. É por esse motivo que ele deve ser cuidado e protegido.
Características do Cerrado
Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Cerrado estende-se por mais de 2 milhões de km², estando presente na região central do país, com incidência em estados como São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Bahia, Piauí, Maranhão, Pará e Rondônia, além de todo o Centro-Oeste.
O bioma é caracterizado por uma formação vegetal do tipo savana (arbustos, gramíneas e árvores baixas), clima tropical sazonal, temperatura quente e pouca presença de ventos. Entre maio e setembro, o Cerrado permanece seco; de outubro a abril, chuvoso.
Devido a secura do ambiente, são comuns incêndios naturais no bioma. As cascas espessas dos troncos são adaptações evolutivas que funcionam como um mecanismo de defesa das árvores às queimadas e o fogo espontâneo é um agente importante na germinação das sementes das plantas, pois a elevada temperatura causa uma fissura em seu revestimento, favorecendo a penetração da água.
Inclusive, os biólogos apontam que esses incêndios são uma das causas do aspecto tortuoso dos troncos das árvores. Outro fator que influencia esse fenômeno é o excesso de Alumínio no solo do Cerrado, que o faz ser ácido e desfavorável à agricultura, uma vez que diminui a disponibilidade de nutrientes na terra.
As árvores do Cerrado também possuem uma característica evolutiva essencial para a sua sobrevivência à seca da região: um complexo sistema de raízes que, além de numerosas, são extremamente longas (podendo chegar a 20 metros), alcançando, assim, os lençóis freáticos.
Com sua floresta invertida, as plantas do Cerrado conseguem passar por longos períodos de estiagem, pois as raízes absorvem a água desses “rios subterrâneos”, que se formam pela infiltração das eventuais chuvas.
Biodiversidade
Apesar de representar somente metade do tamanho da Floresta Amazônica - o maior bioma brasileiro, com mais de 4,1 milhões de km² -, o Cerrado é tão rico quanto ela na biodiversidade de ecossistemas, fauna, flora e fungos.
Pesquisadores afirmam que, no Cerrado, existem cerca de 900 tipos de fungos, 800 espécimes de aves, 1.200 categorias de peixes e 200 mamíferos diferentes.
Além disso, das mais de 11.000 espécies de plantas, cerca de 40% delas são endêmicas (isso é, só são encontradas nesta região do mundo). Essa endemia também existe em relação a 17% dos anfíbios e 28% dos répteis que têm a região como hábitat natural.
Isso torna o bioma um espaço extremamente importante para o desenvolvimento de estudos e pesquisas, não só sobre a biologia do país, mas, também, do mundo, pois concentra sozinho a biodiversidade de cerca de 30% do Brasil e 5% do planeta.
Do meio ambiente para a sociedade
Caminhando lado a lado com a sua importância ecológica, vem o destaque do Cerrado para a manutenção da sociedade brasileira como a conhecemos. Os lençóis freáticos que se formam sob o solo da região, além de suprir as plantas, também são os responsáveis por, em cadeia, distribuir recursos hídricos pelo país.
Abrigando os principais aquíferos do Brasil - Guarani, Bambuí e Urucuia -, o Cerrado também é responsável por alimentar os rios que formam as três maiores bacias hidrográficas da América do Sul: São Francisco, Araguaia-Tocantins e Prata.
Desta forma, o Cerrado atende às mais diversas demandas hídricas dos brasileiros. Nos municípios, a água que vem do Cerrado viabiliza desde as atividades básicas e fisiológicas dos seres humanos (como a hidratação e a produção de alimentos) ao uso industrial do recurso.
Além disso, vale destacar que muitas comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas sobrevivem exclusivamente dos recursos naturais existentes no Cerrado. Detendo um conhecimento tradicional da biodiversidade regional, eles conseguem coexistir de maneira sustentável com o bioma, inclusive, produzindo medicamentos.
É preciso proteger o Cerrado
Durante muitos anos, as atividades humanas que mais causam a degradação do meio ambiente ficaram restritas ao litoral. Como reflexo disso, os dados mostram que o bioma da Mata Atlântica, presente nessas regiões, é o mais desmatado do país, com apenas 7,3% da cobertura florestal original ainda preservada.
Assim, até a década de 1960, a vegetação do Brasil Central manteve-se quase inalterada. Porém, com o incentivo da ocupação das regiões do interior do território nacional, a expansão da pecuária e a criação das rodovias, o Cerrado tornou-se a nova vítima da intensa onda de desenvolvimento econômico.
Feita sem cuidados com a natureza, hoje, cerca de 80% da formação original do Cerrado já foi modificada. Segundo a ONG WWF-Brasil, metade da região alterada conserva algumas de suas características iniciais, enquanto a outra parte as perdeu completamente.
Por este cenário, o Cerrado adquiriu o status de hotspot. Ser um hotspot quer dizer que a região pode ser compreendida como uma área de diversidade biológica que se encontra sob a ameaça de extinção ou de grande destruição em razão do avanço das atividades humanas.
No mundo, são reconhecidos 36 hotspots. Só no Brasil, são dois. Além do Cerrado, a Mata Atlântica é outro bioma que recebe essa classificação.
Apenas 8,21% do território do Cerrado é legalmente protegido por unidades de conservação. E, assim, o principal problema que enfrenta atualmente é o desmatamento.
Em um levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), mapeou-se a diminuição de 7.340 km² de vegetação nativa entre agosto de 2019 e julho de 2020. Dentre as principais causas do desmatamento, destacam-se o avanço da utilização do solo pela agropecuária e as queimadas criminosas.
De fato, o fogo é importante para a renovação do Cerrado, porém, quando este processo não é natural, a prática é, não só perigosa aos seres vivos em seu entorno, mas, também, prejudicial à planta.
Diferentemente dos outros biomas brasileiros, como a própria Mata Atlântica (que surgiu por volta de 12 milhões de anos atrás), o Cerrado é uma formação vegetal velha. Considerado o mais antigo no país, estima-se que a sua idade seja de, aproximadamente, 65 milhões de anos.
Isso faz com que ele, evolutivamente, já tenha chegado ao seu clímax. E, assim, uma vez degradado, não conseguirá nunca mais atingir de novo a plenitude de sua biodiversidade.
Como isso me afeta diretamente?
Para além dos desequilíbrios nos reinos Animal, Vegetal e Fungi, que a perda do Cerrado já está gerando, existe mais um “efeito colateral”: a diminuição da disponibilidade de água.
Apesar de serem abundantes, as águas dos aquíferos dependem de eventuais recargas nas estações chuvosas, quando a vegetação natural do Cerrado possibilita a infiltração da água no solo.
Com a retirada das árvores com raízes profundas, as terras ficam nuas ou repletas de plantas com raízes mais superficiais, fazendo com que a água da chuva evapore antes de penetrar o solo.
O nível de água mais baixo faz com que as nascentes em áreas mais elevadas sequem ou tenham a sua vazão diminuída. Esse é o caso do rio Grande e de outros afluentes nos chapadões no oeste da Bahia e de Minas Gerais, no qual a retirada da cobertura vegetal fez com que a água recebida no São Francisco ficasse menor.
Na prática, isso causa o menor acesso aos recursos hídricos para as atividades humanas. Por mais que o cenário de seca fique mais escancarado no sertão, onde atua o “Velho Chico”, a escassez de água também afeta os centros urbanos.
Para perceber isso, basta relembrar que, em fevereiro de 2017, mesmo fora do período de estiagem, Brasília teve que racionar água pela primeira vez em sua história. O mesmo também ocorre no estado de São Paulo. Bauru, como outras cidades, depende da retirada das águas do Aquífero Guarani para suprir as necessidades hídricas da população.
O que eu posso fazer?
Haja visto tudo o que foi apresentado, é necessário que a população tome cuidados com o objetivo de prezar pela proteção do Cerrado. E isso pode ser feito de maneira muito simples, com ações cotidianas e sustentáveis.
No que se refere à utilização das águas, as pessoas devem evitar excessos. Assim, é importante que se tenha consciência ambiental sobre o tempo de banho, os problemas de vazamento em casa e o cuidado na lavagem de roupas e calçadas.
Já na interação direta com o bioma, precisamos tomar cuidado com o desmatamento e a produção de queimadas acidentais, sobretudo no período em que estamos de outono, caracterizado por sua baixa pluviosidade.
Por mais que, historicamente, o desenvolvimento econômico tenha sido associado ao desgaste do Cerrado, ele também pode continuar a existir e ter força. Mas, para isso, o seu projeto deve ser revisto de forma que apresente soluções sustentáveis para os problemas que já estamos percebendo e sentindo na pele.
Aquilo que é imprescindível é ampliação do debate público sobre a importância ambiental e social do nosso Cerrado, pois, citando Paulo Freire: “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”.